Este projeto de pesquisa se interessa pelo processo da utilização da cultura como chave pra a transformação social. Vários especialistas no setor apontam que a maioria dos projetos sociais que apresentam bons resultados em editais e prêmios oferecidos por instituições como o Itaú social ou Instituto Ayrton Sena, são de organizações não governamentais que trabalham com a cultura. A causa disso é porque atualmente a cultura é compreendida em um sentido bem mais amplo, não apenas como linguagens artísticas, mas como conjunto de práticas, modos de saber/fazer produzidas por um povo ou comunidade. Isso se deve a ampliação do olhar para a produção oriunda de povos considerados “invisíveis” até certo tempo atrás – povos de terreiro, povos indígenas, quilombolas ou ciganos, por exemplo.
Diante do argumento do parágrafo acima, este projeto pretende analisar o caso do Ponto de Cultura Coco de Umbigada, da comunidade do Guadalupe, cidade de Olinda - PE, o qual vem se destacando no cenário cultural brasileiro e latino-americano por seu trabalho ousado e vanguardista de utilização da cultura popular como ferramenta de transformação social, com destaque para a criação e utilização de mídias livres – o Cineclube Macaíba, Rádio Amnésia FM, o blog www.sambadecoco.blogspot.com e criação de espaços independentes para fruição cultural – o evento mensal realizado há 12 anos ininterruptos conhecido como Sambada de Coco do Guadalupe. No ano de 2003, cursei a especialização em Etnomusicologia pela Universidade Federal de Pernambuco, aonde desenvolvi a monografia “Maracatu Leão Coroado: 140 anos” e nesse mesmo ano realizei meu primeiro projeto cultural financiado pelo FUNCULTURA - Fundo de Cultura da Lei de Incentivo à Cultura do Estado de Pernambuco, que teve como produto final o “CD Maracatu Leão Coroado: 140 anos”, primeiro CD do referido grupo gravado “in loco” na sua comunidade - Águas Compridas, Olinda - PE. Este trabalho foi meu passaporte para atuar profissionalmente como produtora cultural independente com especialidade nas culturas tradicionais e populares.
Esta experiência provocou muitas reflexões, dúvidas, inquietações, questionamentos. O cerne da questão foi a polêmica discussão da neutralidade científica, a qual defende a possibilidade de construção de uma produção científica sem a interferência do pesquisador, que deveria supostamente manter um certo distanciamento do seu objeto de pesquisa. Como eu nasci em uma família onde há um matriarcado dentro do Candomblé Nagô pernambucano há pelo menos quatro gerações e fui iniciada aos 12 anos de idade, nunca pude compartilhar nem aceitar este conceito, porque todas as vezes que busquei referências e registros da história do povo negro no Brasil, com foco especial nos Maracatus de Baque Virado e do Candomblé nos livros e em obras acadêmicas, não me sentia representada, não reconhecia a mim mesma nem tampouco reconhecia meus valores sócio-culturais-históricos-religiosos, não reconhecia minha família, nem a minha comunidade.
Um pensamento me consumia profundamente - porque eu enquanto mulher negra, praticante do Candomblé, brincante do Maracatu de Baque Virado, cidadã brasileira e pensadora crítica não posso pesquisar a história do meu povo, a minha própria história? Porque nas minhas investigações não poderia utilizar como metodologias complementares de pesquisa as formas características, peculiares de interação, de troca de saberes e experiências, de transmissão de conhecimentos utilizada através de séculos pelas culturas populares e tradicionais da qual sou oriunda - a Matriz Africana, que são a oralidade, as rodas de diálogo e os relatos da memória?
Ignorei por completo o mito da neutralidade científica e resolvi contar a história do meu povo com um olhar econômico, político, étnico e social de dentro pra fora, construindo e realizando em sistema de parceria a monografia sobre o Maracatu Leão Coroado com o próprio grupo e colaborando em seu processo de retomada de sua trajetória cultural.
Esta experiência/vivência me transformou para sempre e se tornou um traço personalizado do meu trabalho como produtora cultural, que oferece consultoria e serviços de produção cultural com metodologia específica para artistas, grupos e Mestres das culturas populares e tradicionais fazendo com que esse público elabore suas próprias técnicas e mecanismos a partir de suas realidades cotidianas visando atender as suas necessidades e construir um modelo de indústria/ mercado cultural diverso, criativo, justo e solidário.
Para este trabalho, usarei a metodologia citada acima só que amadurecida, lapidada pela experiência/vivência prática de quase sete anos consecutivos de trabalho com vários grupos, Mestres e artistas das culturas populares e tradicionais do Estado de Pernambuco, me colocando na condição de jovem liderança negra feminina, representante da Matriz Africana e parceira do grupo Coco de Umbigada e de sua liderança a Yalorixá, musicista e articuladora sócio-cultural Beth de Oxum, no protagonismo, autonomia e empoderamento da utilização da cultura popular como ferramenta de transformação social e de construção do mundo no qual que desejamos viver.
Apresentação do Projeto Coco de Umbigada: Cultura Popular como Ferramenta de Transformação Social, aprovado pelo Prêmio Bolsa Funarte de Produção Crítica em Culturas Populares e Tradicionais 2010, publicado no Diário Oficial da União do dia 04 de agosto de 2010, por Dani Bastos.